Segundo Ato...

Utilizando elementos culturais, a trupe do Teatro Mágico prepara o lançamento do seu segundo álbum

Por Thiago Bronzatto

A voz estridente anuncia o início do espetáculo. "Sem horas e sem dores, respeitável público pagão. Bem-vindo ao Teatro Mágico. Sintaxe à vontade". O mistério e a tensão pairam no palco - uma madeira rústica de 10x12 metros - decorado com serpentinas, retalhos de lençóis coloridos e bichinhos de pelúcia. Em instantes, entram em cena alguns personagens vestidos de clown - que, dos moldes shakespearianos, trazem a idéia da personalidade interna de cada indivíduo.

As luzes se acendem, repentinamente. Fernando Anitelli, 30, idealizador e arauto do grupo, abre o evento: "...A má gramática da vida nos põe entre pausas, entre vírgulas... E estar entre vírgulas pode ser aposto e eu aposto o oposto que vou cativar a todos..."

Antes dos shows, fãs e curiosos se aglomeram na fila à procura de um lugar próximo ao palco. Em meio à confusão, surge uma artista, fantasiada de boneca-de-pano, que distribui papeizinhos com os seguintes dizeres: " Sou boneca, sou palhaço, ponto de interrogação" e "me atiro do alto e que me atirem no peito, mas da luta não me retiro". Essas mensagens aquecem o público para o espetáculo. Dentro de instantes, outras frases ganham coro na voz do vocalista e admiradores do Teatro Mágico.

Para a estudante Tatiane Neves, de 22 anos, vale a pena chegar mais cedo e enfrentar horas de fila para assistir à apresentação. "Estou cativada por esse universo lúdico...Vou a todos os shows porque continuo acreditando que o mundo ainda pode ser mágico", entusiasma-se.

A maioria dos espectadores é de jovens estudantes que se reconhecem nas letras e personagens do evento. É o caso de Felipe Frezza, 19 anos, estudante de publicidade, que se identifica com a atração. "Tenho fissura por coisas que fogem do senso comum ", diz. A fila começa a andar; em meio ao tumulto Frezza ainda complementa: "Quando venho ao show [do Teatro Mágico], me sinto em outro mundo...através das músicas e poesias, consigo entender quem eu sou e o que sinto."

"...de ontem em diante"

A trupe natural de Osasco, grande São Paulo, foi criada em meados de 2003. Após uma incursão pelo mundo da publicidade, Fernando Anitelli desenvolveu um projeto musical no qual visava a uma integração entre os diversos elementos culturais - artes plásticas, poesias, teatro, representações circenses, entre outros.

Uma vez tendo esboçado esse plano, músicas de cunho autoral começaram a surgir. Uma após a outra. Sob a forma de crônica do cotidiano, surgiram letras como, por exemplo, "Pratododia" - "Como feijão e arroz que só se encontram depois de abandonar a embalagem....O dia do prato chegou, é quando eu encontro você..."

Não demorou muito para que fosse gravado o primeiro CD da banda do espetáculo. Para a realização de tal feito, o visionário Anitelli contou com a colaboração de pessoas comuns, como a de sua empregada e seu avô (voz da vinheta de abertura) e de participações profissionais como a do guitarrista Orttega (Pavilhão 9), a da percussionista Simone Soul e a do grupo pernambucano Cordel do Fogo Encantado. O álbum recebeu o sugestivo título de "O Teatro Mágico: Entrada para Raros" - uma referência ao clássico "O Lobo da Estepe", do escritor alemão Hermann Hesse.

O primeiro show de Anitelli foi realizado há três anos, no Café Uranus, centro de São Paulo. De lá pra cá, foram feitas mais de 300 apresentações, vendidas mais de 40.000 cópias de discos (cada CD ao preço módico de R$ 5,00); 80.000 visitantes mensalmente baixam música, vêem fotos e conferem a agenda do grupo no site oficial do TM , além de uma legião de fãs invadir os espetáculos.

Com 19 faixas e 13 músicas, o CD - intitulado "Fernando Anitelli apresenta o Teatro Mágico, Segundo Ato" - chega às prateleiras underground em Breve. "O novo disco será uma magia ao quadrado. Se o primeiro já encantou, o segundo arrebatará a platéia para um mundo fantástico", declara o líder do grupo.

O sucessor de "Entrada para Raros" contará com as seguintes faixas: "Eu Não sei na verdade quem eu sou", "Pena", "Sobrenomes", "Cuida de mim", entre outras. "O novo disco será surpreendente. Ele ensina a nunca se acomodar com o que se acomoda", declara o produtor. Aos apreciadores da banda, vale a espera. Até lá, se alguém ainda não aprendeu como adentrar esse universo raro, pode seguir as indicações da trupe: "O teatro mágico é o teatro do nosso interior...a história que contamos todos os dias e ainda não nos demos conta...as escolhas que fazemos em busca dos melhores atos, dos melhores sabores, das melhores melodias e dos melhores personagens que nos compõem, as peças que encenamos e aquelas que nos encerram...nosso roteiro imaginário é a maneira improvisada de viver a vida...de sobreviver ao dia, de ressaltar os tombos e relançar as idéias, o teatro nosso de cada dia...", constata Anitelli.