24 de mar. de 2008

O volume do silêncio


Se chove, falamos que está chovendo e o trânsito está uma merda e é impossível viver nesta cidade.
Se faz sol, reclamamos do calor, da sede, da luz que quase nos cega.
Conversamos futilidades. Nada temos a dizer, mas não podemos ficar calados. Vivemos numa zona de sombras.
Não queremos morrer, não queremos viver.
E trabalhamos. Trabalhamos. Trabalhamos. Engolimos a comida. Temos pressa. Saímos para fazer compras, folhear revistas, ir ao banco. Então comentamos a tragédia do dia anterior, a última novidade da informática, o pronunciamento do senhor presidente da República.
Nossas vozes se confundem. Temos a nítida impressão de que nossas palavras não são nossas.
A amnésia nos protege da culpa e do arrependimento.
Nos habituamos à guerra e à paz.
Temos de reformar a casa, trocar os móveis, comprar outro carro.
Se quisermos ser diferentes, temos de ser iguais.
Se quisermos ser iguais, temos de ser diferentes.
Rimos por termos dores tão simples.
Quando estamos em casa, queremos ir a outro lugar; quando estamos em outro lugar, queremos ir pra casa.
As incertezas nos desesperam. Não sabemos mais em que acreditar: na psicanálise, na astrologia, nas seitas orientais, na terceira onda, no fim iminente por uma guerra nuclear, nas profecias de Nostradamus, na nova Igreja Católica.
E a todos momentos nos injetam mais dados e mais informações.
Vamos vivendo, vamos morrendo, já esquecemos a dor da semana passada, o preço do arroz.
Temos sempre desculpas prontas.
Conhecemos o tempo de duração dos sinais verdes.
Pedimos socorros por olhares, mas quase todos estão cegos.


Texto de Larissa Passos Nogueira - http://www.vidabemvinda.blogspot.com/

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